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sábado, 21 de julho de 2007

Ele disse-me...


Conversei com o meu travesseiro
Que tinha posto para lavar
E que o fui buscar
Naquele cesto de verga, já velho
Onde o tinha colocado
Ele disse-me:
"Porque me foste buscar?
Deixa-me estar, que estou cansado
Cansado de ouvir os teus segredos
Os sonhos que nunca sonhas
Apesar de pensares que sonhas.
Estou já velho e debotado
Do teu suor em noites de mágoa
E tu, pobre criatura, nunca me ouves...
És tão nobre d'alma
Tão grande de coração
E tão pequena de coragem!
Porque me foste buscar?
Estou cansado de te habituar
Deixa-me estar onde me pões
De sábado a sábado
Sem nunca me consultar...

Eu, pelo menos, tenho a coragem
De enfrentar uma sabonária
De estar ali encharcado e quieto
Até que te lembres de me estender
De me engomar
E de voltar para a velha gaveta
Onde me irás buscar, de novo
Para nunca me ouvires.

Eu, pelo menos, tenho coragem..."

Deitei a cabeça sem o meu travesseiro
E pus-me a olhar para a coragem.

Como é que ele conseguia?

Manuela Fonseca

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