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quinta-feira, 26 de julho de 2007

Um poema...


Um poema de entre todas as palavras
Qual página rabiscada
Um instante de querer
No quebrar da inspiração
Atinge-me o coração
Gela-me a alma
E os sentimentos quebram-se
Como coisas de cristal
Em chão de pedra


Manuela Fonseca

Vida!


Vida, como és inversa
Nos fados que choram
Entre os teus dedos
És uma ponte de rios
Com pedras castanhas no fundo
És uma ponte que de dia fala
Silenciosamente
E de noite sonha
Sonambulismos de gente

Vida, como és escassa
E tão florida…

És o vento
Que em largas partituras
Se eleva às copas
Brisa que entorna o meu perfume
Quando nas pontes
Já não passa mais ninguém
E o verso do inverso
Já não te detém

Vida, como és escassa
E tão florida…

Manuela Fonseca

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Na tua meiguice


Empenhei-me no amor
Embarquei-me na tua meiguice
E construí o teu sorriso
No gesto calado
De te afagar o cabelo

Da algibeira cinzenta
Tiraste um anel
Em forma de coração...

Lembro-me que te olhei
No cruzar do sentimento
Negando baixinho
O teu sofrimento

Desfiz o gesto de te afagar
E ouvi a minha voz
Como se de neve me pintasse

A minha Amizade
Era mais forte que a tua verdade.

Manuela Fonseca

Farejavas o perdão


Farejavas o perdão
Como um cão faminto
Que lhe doem os olhos
Da procura de cantos

Andavas pequeno
Numa estrada longa e parada
E os pés desmentiam
O propósito de andar

Viste-me ao longe
Como num sonho apertado
Em que o grito sufoca
E o correr desespera

As tuas mãos uniram-se
Num gesto vertical
Diante do meu olhar
Fixo e parado

Longe de ti
No espaço que me separava de mim
O perdão nunca foi achado.

Manuela Fonseca

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Sonhos embalados


Sonhos embalados
Em retalhos de segredos
Dançam no teu olhar
Ao sabor do meu

Reflectidos em tons de verde
Que poisam como aves
Em dedos anelados
De um corpo por nascer…

Manuela Fonseca

Leiam poesia!


Passa a vida que sempre passa
P’lo canto da minha mente
E nas horas já vividas
Espero a Nova que há-de vir

Não sigo o que os livros dizem
(leio-os apenas…)
Ora eu teria que concordar com o parecer
Das gentes que os escrevem.
Mas o seu parecer não coincide com o meu
Nem sempre…
Nem o meu com o delas.

Nem o meu parecer, nem o delas
Tem que ser o verdadeiro parecer
Ora, não é?

Eu penso as coisas que penso
E vejo as coisas como as vejo.

Que me ensinam os livros de ensinamentos
Se as coisas da vida e os sentimentos
Não estão lá escritos?

Que me interessa saber se aquela montanha
É mais alta que a outra?
O que me interessa é subir a sua encosta
Escalar, escorregar ou até morrer nela.
Que me interessam os nomes dos Oceanos?
São mar bravio, sereno
Marés-altas, marés baixas
E isso me basta!

Os livros não nos ensinam a olhar
A olhar para as coisas
Só nos ensinam os seus nomes
E até nos contam o passado que alguém descobriu
No fundo duma velha arca
Arca de Noé
Arca de José
Tanto faz
Ou o riscado em cavernas centenárias…

E assim passará a vida que sempre passou
P’lo canto das nossas mentes
E nas horas já vividas
Esperamos a Nova que há-de vir…

Leiam livros, criaturas
Leiam!
Mas leiam os livros que vos fazem arrepiar a pele
Que vos fazem sentir um todo
Em meio à multidão que nos emudece.

Leiam poesia!

Manuela Fonseca

sábado, 21 de julho de 2007

Foi no amor...



Foi no amor que me desci
Junto àquela velha rua
De esquinas magoadas
Sem propósitos
De ali ficar
Numa espera feita de ti
Sem acordo de mim

Foi nesse dia que me apresentei
Ao meu coração
Ele rasgou o sorriso de mel
Diante de tanta perdição
E disse-me ao ouvido
Vai, mas nunca voltes!

E foi nesse dia já tão longe
Que me esqueci de voltar
Sem nunca ter ido...

Será que o coração me perdoou?

Manuela Fonseca

Ele disse-me...


Conversei com o meu travesseiro
Que tinha posto para lavar
E que o fui buscar
Naquele cesto de verga, já velho
Onde o tinha colocado
Ele disse-me:
"Porque me foste buscar?
Deixa-me estar, que estou cansado
Cansado de ouvir os teus segredos
Os sonhos que nunca sonhas
Apesar de pensares que sonhas.
Estou já velho e debotado
Do teu suor em noites de mágoa
E tu, pobre criatura, nunca me ouves...
És tão nobre d'alma
Tão grande de coração
E tão pequena de coragem!
Porque me foste buscar?
Estou cansado de te habituar
Deixa-me estar onde me pões
De sábado a sábado
Sem nunca me consultar...

Eu, pelo menos, tenho a coragem
De enfrentar uma sabonária
De estar ali encharcado e quieto
Até que te lembres de me estender
De me engomar
E de voltar para a velha gaveta
Onde me irás buscar, de novo
Para nunca me ouvires.

Eu, pelo menos, tenho coragem..."

Deitei a cabeça sem o meu travesseiro
E pus-me a olhar para a coragem.

Como é que ele conseguia?

Manuela Fonseca

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Não importa...


Quem como tu
Conhece o meu silêncio
Bailado no teu olhar
Jardins verdes
Castanhos por castigo
Ou por destino

Não importa...

Quem como tu
Para me rever em adágios
Mal disfarçados
Embalados
Em mal amanhecer

Corri encharcada
No teu perfil de esquina
E nunca soube dizer-te
Quem como tu
Conhece o meu silêncio

Não importa...

Manuela Fonseca

Era ali a tua alma


Era ali a tua alma
Em cada palavra colhida
Secreta e cega
Como o doce olhar
Das estrelas avistadas

Quando tocava na tua alma
Era nela que eu ficava
E os estranhos reflexos do seu brilho
Pintavam ecos quebrados
No silêncio de um teu beijo

E ali ficava eu...

Manuela Fonseca

domingo, 15 de julho de 2007

Promessa


És tu a vida que eu inventava
Na promessa multiplicada
Surgida de uma fotografia
Para sempre afastada

Promessa alada
Em mim, tão calada…

Manuela Fonseca

sábado, 14 de julho de 2007

Nada fazem contigo!


Nada fazem contigo
As imagens passam a correr
E nada trazem contigo
No medo de morrer

Encharcado em movimento
O teu olhar ficou parado
Como se falar abocanhasse o tormento
Coração crescente de calado

Manuela Fonseca

Nada trago comigo


Nada trago comigo.
As memórias que se chocam
Delas me vou despedindo
Nada trago comigo
Parti, só e nua
Desde sempre
A galope na tua lua

Embalei-me no momento
Como se chorar
Detivesse todo o tormento

Como mulher que sou
Sinto ao longe o cheiro do mar
Tudo em mim se cala
Num coração por luar

Nem jardins nem olhares me prende
Só encontram o perto
Que se detém
E o teu corpo é uma corrente de frio
À procura de mais amor
E menos vazio

Manuela Fonseca

Sem acordar o teu passar


Quando brilhou a madrugada
Deslumbraram-se
Entre o sol as mãos encantadas
Amores azuis em corações de fadas
Como as estrelas da noite acordaram
Na verdade de um novo dia

E encontrei-te num plano
Deserto, sem direcções
Não fui o sol nem o mar
Fui apenas o meu olhar
No teu a dançar

A alma tinha a cantar
E os braços leves de repousar
Ouvindo o silêncio do teu passar

Caminhei na vida eternamente
O amor rebolou em azuis dourados
E branco a pique
Sobre todas as coisas mortas

Mais adiante, vi-te já tarde
Tarde leve, cheia de distância
Escorregando os amores azuis
Onde as nuvens se curvam
Atrás do teu silêncio
Sem acordar o teu passar.

Manuela Fonseca

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Em outro mar



Atravessei aquele caminho
Sem luar
Oculto paladar
E corri contra o vento
Cabelos remexidos no ar
Para te encontrar

Ó noite
De poemas inacabados!

Em outro mar…

Manuela Fonseca

Deixem-me em paz!



Deixem-me em paz!
Desistam de mim!

Não mais tormentos
Decidi
Nesta encruzilhada
De aparentes
Sorrisos negados
Forçados
No toque refinado
Do erro contido
Filha de ninguém

Deixem-me em paz!

Manuela Fonseca

Memória


A coisa mais antiga
Da minha memória
É um divã
De colchão de infância
Numa sala
Entre a cozinha e o quarto
Em frente a uma rua qualquer
Dentro da qual
Estavam quatro copos
Cheios de água
Em cima de uma mesa

Era uma felicidade
Nua por inteiro
Esse olhar
Da presença sem recusa
Dos quatro copos
Não era nada de fantástico
Mas era a presença
Da real descoberta
Em manhãs de mal-estar

Eis-me aqui
Recordada…

Reunida com o meu mal-estar
Olhando os copos
Da minha memória
Mais antiga.

Manuela Fonseca

domingo, 8 de julho de 2007

Fui sentada em ti


Fui sentada em ti
Por esse planeta adiado
Escureci as ideias
Enganei-te na verdade
E viajei-te no erro
De seres assim…

Continuei a viagem
Imitando as sombras
Que contraí
E nunca desisti

Vim deitada em ti
Doente de buracos
E falhas de mil
Acreditei na esperança
De acreditar em ti

E comecei por mim!

Manuela Fonseca

Olha o mastro!


Olha o mastro!
Olha o Homem!

Ai, que o mar enaltece
O escuro das marés

Não temes?
Não choras?

Ai, que a vida permanece
Nos dias de fé

Olha o mastro!
Olha o Homem!

Manuela Fonseca

A valsa da fome


Vem dançar comigo
A valsa da fome
Vem conhecer o menino
Que deixou as forças
Em outros olhares

Vem sentir comigo
O lugar vazio
Onde ele chora
As tuas lágrimas
De indiferença

Vem comigo
Conhecer
A valsa da fome

O outro lado de ti…

Manuela Fonseca

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Labirinto de sonhos


Gritaste num sonho
Sem ruído
O gesto lento
De um passo teu

Vi crescer
Nas minhas mãos
O desalento
De já não te amar

Na esquina
De outro sonho
O sorriso
Escapava dos teus olhos
Num convite
Sem permissão

E para voltar a amar
Segui os teus passos
Neste labirinto de sonhos
Mirei-me
Em mil espelhos
De outras idades
E sorri no prazer
Da descoberta
Que nunca deixara
De te amar!

A tua vida prateava
À sombra do meu luar…

Manuela Fonseca

Descalça ao luar


Desenterrei o passado
Das cinzas de um sentimento
Caminhei descalça na vida
E fiquei aqui parada no tempo

Desfiz os sentimentos ao luar
Numa prece que nunca senti
Sentei-me no presente magoado
E olhei de fora para mim

A minha alma no futuro
Nada soube reconhecer
Continuei a arrastar as mágoas
De um passado sem amanhecer

Manuela Fonseca

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Ali estive eu...


Foi numa noite fria
De um ano a lembrar
Que te esperei
Sentada num banco de passagem

Chuviscava
E eu sorria
Na esperança
De te ver chegar
Com esse olhar
Meigo
Demasiado correcto
Com um riso honesto
Estampado no rosto

E tu chegaste
Num carro qualquer
E lá fomos nós
Conhecer-mo-nos
Num bar do Bairro Alto

Falaste tanto...
Falei tão pouco...

E veio um Mon Cherry
Numa taça de vidro
Eu ri
De nunca ter visto
Nem saboreado
Nada igual

O frio gelava
Cá fora do bar
A chuva continuava
E tu não ligaste
Tão-pouco eu
Eu, que a chuva
Adoro!

Na neblina da madrugada
Aconteceu o inesperado
E tu ficáste
Numa memória
Adormecida...

Manuela Fonseca

quarta-feira, 4 de julho de 2007

NATAL


Na lareira acesa
O fogo crepita
Sobre a velha mesa
De madeira escura
Está um prato
De arroz doce

No teu andar lento
Ligeiramente manco
Chegas à janela
E levantas a cortina

Lá fora, a neve cai
É Natal.
Estás só.

Lembras-te de como embalavas
Os teus filhos
Quando eram pequenos
E sorris com saudade…
Como eles pulavam
Para os teus joelhos
Na velha cadeira de baloiço!

Relanceias o olhar pela sala…

Que foi feito dela?
Estava sempre ali
Junto à lareira…
Uma lágrima teimosa
Desliza na tua face pálida
Hoje, onde estão eles?
Estão longe… Estão bem…

E tu, meu velho?
Tu que tanto amaste…
Tu que tanto lutaste…
Tu que tanto choraste…
Estás bem, tu?

De novo, olhas a rua
Através do vidro
Passa um carro
É o José.
“ Adeus José, Feliz Natal… “
Saúdas em voz baixa…

Estás cansado.
Penteias com os dedos
O teu cabelo branco
O arroz doce arrefeceu…
Sentas-te no velho banco
De madeira pintada
E começas a comer.
E choras.
Estás só…
És só…
E só ficarás…

Manuela Fonseca

Ele é Isto


Ele é louco
Consciente
Em cada poema
Que seduz

Ele é poeta
Subconsciente
Sobrevivente
Poeta de luz

Ele é aquilo
Ele é Isto
De tudo
Um todo
Quanto adivinho

“ Sentir?
Sinta quem lê! “

Manuela Fonseca

Eu que procuro


Eu que procuro o amor
E o detesto
Eu que tudo não amo
E nada careço
Apesar desta busca constante
Irrequieta

Donde me vem ainda
A força das mãos?

Tanto vendaval inútil
Me estraçalhou
Para ficar detida
Nesta ténue rosa-dos-ventos

Afinal, tenho sempre o mesmo
Afiada e não arranhada
Num sonho que não mentia

Busco sempre a ofensa em mim
Naquilo que sai de ti

Quero falar e calo
Quero cantar e oiço
Quero viver e não deixam!

Só faço o que não importa
Só penso o que não preciso
Só me deixam o que não interessa!

Ah! Para que lado foste
E nunca me viste?

Manuela Fonseca

REJEIÇÃO


Sou carne da minha carne
Pedaço de lama atirado ao vento
Na raiva que domina o pensamento

Sou o fardo que ninguém quer
Sou alma doente de um perigo iminente
Que paira sobre o malmequer

Sou tormento mais amargo que o fel
Lenha incandescente na mão do inimigo
Em chama ardente queimando-lhe a pele

Sou lixo oriundo das Índias
Que a ventania traz consigo
Sou o Outono da Primavera
Nuvem negra no céu azul
Sou ruína cercada de hera
Triste fim de uma quimera
Que habitou os mares do Sul

Sou sangue do teu sangue
Rejeição da tua carne
Sou náufrago angustiado
Num Oceano tenso e revoltado

Sou pó que a Terra arde
Choro desconsolado
Cria privada de correr

Sou fruto dum gesto viciado
Que por ti foi rejeitado
Num longo caminho a percorrer…

Manuela Fonseca

terça-feira, 3 de julho de 2007

Sou eu...


... e tudo é tão perfeito
Olho para os meus dedos
E eles sorriem-me
Na intenção
De uma obra inesperada

Os lábios conversam com eles
Numa química já conhecida...

Levanto-me
E vou buscar um B

Componho o cortinado
E volto a sentar-me
Na minha única sala

Penso em ti
No cheiro do teu corpo
E escrevo um poema
Igual a mim

Cheia de defeitos
E muitas virtudes
Analiso o que não escrevi
E tremo no que senti
Na ausência da tua resposta

Desde sempre
Que nunca te amei!

E eis-me aqui
Agora
A sentir que és o melhor
De todos os ausentes

Sou eu...
Sentada à mesa
Da minha única sala

Manuela Fonseca

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Sete!


Sonhei sete pães
Sete sementes

Sete águas
Sete camas
Sete escolas
Sete esperanças

Sonhei
Sete crianças
Sete sorrisos

Acordei
Com sete lágrimas…

Manuela Fonseca

domingo, 1 de julho de 2007

O teu ascendente


Quando nasceste?
Ano?
Mês?
Dia?

Deixa-me sentir o teu ascendente...
Deixa-me conhecer-te melhor...

Deixa-me afagar-te
No abandono
Que te deram
À tua primeira lágrima.

Manuela Fonseca