terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Foi ele!
A minha alma é um chiqueiro. Com muita água conspurcada e comida roída pelos ratos. Sento-me no colo de um sonho distante e sinto-lhe o sopro da ilusão a roçar a diferença de uma água limpa. Já não são sonhos que me alimentam, amiga, são as memórias de um sótão podre de bafio contido em anos mal tratados. E eu puxo por essa memória para não me esquecer das horas más, dos esforços caídos como anjos tombados nas margens de um corpo. Sinto o cheiro a estrume, essa mistura fermentada de mamíferos a pastarem e a pisarem a erva que é só minha. O sol não nasce, a noite não desce e a água do poço da esperança vai secando… Mas como se o sol nunca nasce? Quem a secou? O vento leva-me o cabelo, entra-me nos dedos e ri, ri muito alto a fazer troça de mim. Foi ele! Foi o vento que secou a água do meu poço! As memórias eram, agora, de papelão encharcado nas águas sujas da alma. Os ratos levaram-me o sorriso. Deixaram-me as penas. Os pés perderam-se pelo caminho…
Manuela Fonseca
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4 comentários:
Um texto poético muito profundo.
O peso das palavras redobra as lembranças carcomidas do tempo.
Nan... Não acredito que a senhora das palavras esteja a limpar o sótão a estas horas da vida!
Não tu, Manuela, não esta mulher experimentada e desfragmentada.
Sabia que as oportunidades de sofrer são dadas apenas para quem consegue suportar-las? E que estas pessoas que suportam são as mais privilegiadas? E tu, eu e umas quantas pessoas recebemos esta dádiva. Mas existem outros com mais fardo que nós. A terra abaixo dos nossos pés não tremem, nem nossas casas nos caem à cabeça.
Pergunta-me:«Que raio de oportunidade é esta?». Chama-se: expiação. O nome que se dá ao pagamento de penas divinas. Bem haja! Que esta nossa vida actual seja a última das dívidas.
Ao fim e ao cabo estamos todos a pagar facturas. Uns menos, outros mais. Peço perdão daquilo que fiz e não me recordo, mas aceito pagar sem contestar. Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa.
Pagamos, mas XÔ FRUSTRAÇÃO, XÔ TRISTEZA, XÔ BAIXO ASTRAL E DEPRESSÃO!
Enquanto pago, ou pagamos, tenho e temos o direito, o dever de ser feliz.
E eu sou feliz dentro deste emaranhado de coisas, porque invento outras tantas que se adaptam a mim.
Adorei o seu texto, Manuela. Me motivou para continuar a caminhar. Mesmo sem ainda ter perdido a vontade de perseguir a minha sorte. É terrivelmente fujona, mas a alcançarei. Hehe.
Imagino o canto maternal das baleias
Como doce e sentida balada
Imagino um beijo na procura
De uma fugidia criatura amada
Um domador de ventos e tempestades
Uma viagem de aventuras repleta
Serei eu um herói de comédia de enganos?
Ou apenas um pobre e louco poeta
Boa semana
Doce beijo
Sinto um universo visceral, mas com um imenso espaço de claustrofobia. Gostei de o visitar, mas não gostava de viver nele...
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